#1 Diário de Bordo - Um Ano depois

15:50 - 07/11 - #diário de bordo #blog #processo

Uau, queridites. Eu pisquei e batemos um ano de publicação!!! Primeiro, agradeço à todas as pessoas que deram uma chance ao meu trabalho, lendo, divulgando, comentando e me dando uma força nessa jornada de ser um criativo em plena era das genAIs. Eu nunca vou esquecer desse apoio e dessa gentileza, tanto do público leitor quanto também dos meus colegas de profissão. Muito obrigado, de todo coração. 🥰

Esse primeiro ano tem uma bagagem de alguns outros anos; pelo menos um ano rascunhando e escrevendo mas as personagens em si habitam meu reino das ideias pelo menos desde 2015. Já recebi alguns comentários sobre a sensação, uma aura de RPG e, bem, não é à toa: Artemísia e Pyxis são personagens quais eu joguei algumas mesas e também um certo MMO. Elas me trouxeram alegria, amizades, acalento e também um sonho. Sonho esse tão bonito que já existia em mim mas que elas cuidaram, alimentaram e regaram até que pudesse germinar e tornar-se uma linda mudinha. E cá estamos nós.

Aquele jogo que não deve ser nomeado

Gênesis

Como comentado, as personangens nasceram para jogos que participei, quais eu passava a maior parte do tempo jogando ou montando coisas para jogar. Nesse momento, também entrei para a faculdade de design e acabei por conhecer a área do concept art. Passei a desenhá-las sempre e inventar histórias quais eu dividia com alguns amigos, e, em certo momento pensei... "e se elas fossem amigas?". Nessa época eu ainda era uma lagartinha que sonhava em voar bem alto, o que me fez perceber que eu não tinha cacife pra montar a história que achava que queria, imaginando que talvez aos 25 anos eu teria certa maturidade pra fazer algo de verdade, sabe? Então eu não toquei por um tempo, decidi focar na faculdade com o intuito de me tornar uma boa designer de personagens.

Acontece que, eventualmente, duas coisas me engoliram: a faculdade e o mercado de trabalho. Artemísia e Pyxis foram engavetadas. O capitalismo diz pra gente deixar o sonho pra depois, e eu caí.

A faculdade não foi fácil, trabalhar CLT menos ainda. Durante esse processo eu adoeci, tranquei e destranquei a matrícula e só me formei em 2020. Sim, um TCC bem no auge da pandemia de COVID19 como se ser um transmasc crescido no boom dos chans não fosse o suficiente pra minha cabecinha. Em 2021 me mudei de onde morava (a casa parecia a do filme "Parasita") e me casei. Eu e meu marido combinamos que eu me dedicaria ao meu ofício de desenhista enquanto ele trabalharia fora.

O Processo na Oficina do Diabo

Sem dúvidas o momento de aventuras e desventuras; inclusive mais desventuras do que aventuras. O lembrete é que é importante aproveitar a jornada.

Na casa nova, por algum motivo que não lembro, ficamos por pelo menos uns 15 dias sem internet e praticamente fui forçada a um retiro espiritual já que fiquei incomunicável, o que acabou sendo benéfico pois não só fiquei livre do ruído mental que a internet traz pra nossa vida mas também porquê eu não tinha exatamente como me distrair. Então comecei a desenvolver as folhas de conceito de Artemísia e Pyxis e escrevi os protótipos da história e do worldbuiding em si. O Draekosmos nasceu nesse período e vários outros fundamentos também apartir dos contos que fui escrevendo. Claro que essas coisas foram mudando ao longo do caminho e eu estava feliz com o andar da carruagem. Porém, depois de um tempo, eu precisei dividir a minha atenção não só com os cuidados da casa mas também com o "ter que fazer dinheiro".

Tem que fazer dinheiro.

Não me levem à mal, eu amo trabalhar com encomendas! Eu amo desenvolver personagens e ilustrações junto à clientela, só que... eu não amo dinheiro. E amo muito menos ter que precisar de dinheiro pra coisas básicas. Pois é:

Você sabia que ele é taurino do ascendente em aquário?

Além de não querer passar fome, existe toda uma pressão que se o seu trabalho não te dá dinheiro então ele não é trabalho (e daí pra baixo). Eu fui fazer dinheiro, me distanciando um pouco da minha criação.

Só que o dinheiro nunca é suficiente.

Eu me mudei mais duas vezes depois disso, e, nesse meio tempo, o computador escangalhou. Sem dinheiro pra consertá-lo, decidi honrar aos nossos ancestrais: fui lá na casa da minha mãe buscar a máquina de escrever que era do meu irmão mais velho (e foi por causa dele que eu comecei a desenhar). Nela eu escrevi o resumo e então o roteiro do Tramas da Terra; anotava os tópicos em um bloquinho de papel e lia outros livros que me nutriam e me ensinavam.


Eu não imaginava que poderia me apaixonar mais ainda pelo meu ofício. Trabalhar com a máquina de escrever acendeu meu romantismo latente, além de permitir que me concentrasse somente na escrita. A colocava de segunda à quinta, durante 6h do meu dia, numa mesinha de frente pra janela onde eu posso ver o céu, as árvores e as borboletas. Durante o entardecer eu podia ver os pássaros e de vez em quando eu até acendia um cigarro e/ou tomava uma tacinha de vinho. Sim, um romântico incorrigível, coisa que se transpõe na minha obra, já que "Coração & Sangue" é sobre amar a vida e o mundo — e preservar a sacralidade mundana.

O Homem de Mascara, Fullmetal Alchemist - Vol. 6, Cap. 22 (Out. 2003)

A vida é feita de deleites e agonias e foi navegando nesse caos proeminente da criação e destruição que eventualmente eu e o diabo nos tornamos sócios na oficina. Com o roteiro pronto (ufa!), montei uma prancheta e comecei a rascunhar as páginas.

Criatura analógica

Dentro de todo esse período eu me acostumei demais ao digital mas o caminhar das coisas foram me trazendo de volta ao "mundo real". As texturas, os processos, os materiais, a ausência de layers e do ctrl+z... Tudo isso exigiu que eu voltasse ao começo: lápis, borracha e papel.

Essa é a hora que você pare muito filho feio e a frustração pode tomar conta. Fica o shade pros usuários de genAI: vocês são covardes. Não há propósito, substância nem excelência em resultados imediatos e obediência plena.

Cuidei em não bater cabeça; me permiti descansar a mente e os olhos e aguardar pelo novo dia. Fiz e refiz algumas páginas, tentando encontrar o meu melhor sem cair no perfeccionismo paralisante, pois o "perfeito" é somente um horizonte a ser contemplado e jamais uma terra que você pisará. Cada página que escrevi e desenhei (e continuo desenhando) me moldou de volta. Eu sou o alquimista mas também sou a pedra no forno do alquimista.

Enquanto rascunhava, me dei conta que o tempo que achei que levaria pra finalizar os capítulos estava bem equivocado. Fora trabalhos de faculdade ou estudos próprios, eu nunca tinha desenhado um quadrinho. Eu não segui os conselhos de "faça uma história pequena e completa antes de fazer algo maior"; eu só mergulhei de cabeça nesse projeto que tenho como obra prima.

Fonte: Wikipedia

Existem diferenças entre o roteiro escrito e o quadrinho desenhado. O roteiro se mostrou uma excelente ferramenta de estruturação de forma que não necessariamente determinasse rigidez ao meu trabalho — mas sim um guia "perfeito" que organiza as minhas ideias melhor estabelecidas, seja para seguir ou quebrá-las.

Acaba que CeS se mostrou uma obra experimental pois, ao passo que vou aprendendo sobre quadrinhos, desenho, pintura e retículas, eu também vou me conhecendo e entendendo como é o processo pra mim. Tem uma bússola na minha cabeça apontando a direção e eu vou caminhando como posso.

Jumpscare de perspectiva

Tracing não é errado se for d'eu mesme, né? Né?

Os capítulos 00~04 foram no Autodesk Sketchbook (descontinuado) mas no quinto capítulo eu migrei pro Krita, sintetizando o aprendizado como uma constante.

Dos Meus Sonhos

Coração & Sangue vem de um lugar muito específico. Acho que, como a maior parte das crianças queers, eu cresci com a sensação de não pertencer à lugar algum, mesmo ainda sem saber exatamente quem eu era. Lembro de duas personagens específicas mudarem a química do meu cérebro quando eu ainda era pequenine:

Gabriel (Constantine, 2005) e Angel (Todo Mundo Odeia o Chris, 2005~2009)

A cena qual Gabriel desce graciosamente e pousa com força e então podemos ver seu rosto... eu não conseguia saber se era "menino ou menina", o que me deixou deslumbrada. Anos depois, Angel explica no episódio que é uma pessoa andrógina.

Andrógino — então é isso!

Mas... apesar de fazer muito sentido, eu ainda achava que não era pra mim e que ninguém me reconheceria dessa forma.

Enquanto crescia, a presença feminina nas mídias era nula ou relegadas a um local de objetificação; a presença queer, então, nem se fala: ou era chacota ou vilão. E não me julgue mal, eu sou completamente a favor das garoutas assanhadas e das gays trambiqueiras! O problema é sistematicamente sermos associades dentro do imaginário social como objetos de desejo, de piadas ou mau caratismo e somente isso. Mesmo quando você ainda não sabe palavras chiques como esteriotipação ou violência institucionalizada isso ainda machuca; você é podado e enfiado em caixas pelos outros sem nem sequer saber quem esse outro é ou porquê isso acontece.